Ano Novo de 1931
A alma humana, a mais scéptica, e mais prosaica,
a mais experiente e prosófica, tem reflexos doirados
de espererança, na mais mentirosa das auroras -
a que marca a vinda de um no vo ano.
E todos nós "As crianças grandes", nos sentimos
transportados ao mundo, diabólicamente rico,
dos sonhoes, e nos encontramos a pedir e
a esperar um sem - fim de cousas lindas!....
Oh a alma confiante das "crianças grandes"...
como é mentirosa a aurora de um Ano- Novo,
em que cada qual constrói, com carinho e desvêlo,
castelos formidáveis, que as outras auroras,
num silêncio, infinitamente grande e eloquente,
as outras auroras, dentro, dentro da vertiginosa
pressa com que o tempo passa; as outras auroras,
menos mentirosas mas mais impiedosas, destroem,
derrubam, arrazam, pulverizam, e o vento da desilusão espalha,
completando-lhes a obra!....
Como é enorme o poder desta aurora feiticeira,
que nos faz esquecer toda a grande luta em que
os homens se engolfam uma vida inteira; que
nos faz conceber, embora por instantes fugidios,
a fantasia duma hamonia pefeita entre as criaturas,
harmonia de que resultaria preceito de (...)
Dai a César o que é de César.
A vida não teria uma razão de ser, se não houvesse
esta incerteza. este desejo, muito humano, de ascender;
esta incontetabilidade que a transforma num Jôgo de cabra-cega,
onde andamos a- procura - de qualquer cousa que nos faltará,
sempre, infinitammente sempre, e que chamamos felicidade.
Todavia, valem bem á alma torturada do que sonha,
e do que luta, as radiosas mentiras com que nos acena
a aurora do Ano - Novo.Que importa sejam elas mentiras?
Que importa os homens se saturem de egoismo?
Que com ele sufoquem todos os idealismos sãos?
Que transforme os tresentos - e sessenta - e -
cinco dias em outros tantos sepulcros para o
tudo o arquitectado, com o carinho e a paciência
do artista, exitente em cada criatura.
Olha se, embora entristecidos, para os destroços
dos sonhos perdidos, e tem-se a suprema ventura
ou a coragem suprema de apegar-se á esperança
de uma nova aurora, mentirosa e feiticeira, portadora
das concretizações, inatingidas, quase sempre...
E, assim seguindo o conselho do Mestre, recomeça-se
É o eterno e rápido rodopiar na successão dos ciclos vitaes das criatura.
Iara da Ilha
Ano 1931\Edição 00738
http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=843709&PagFis=2&Pesq=