segunda-feira, 15 de julho de 2019

Dois Poemas do Ossian de Macpherson1 Thiago Rhys Bezerra Cass Doutorando/ Universidade de São Paulo (USP)

https://periodicos.ufpe.br/revistas/INV/article/download/1295/989




Canto de Ossian Poesia alemã? Tal qual transmonta o sol inconstante sobre a colina relvosa de Larmon, as histórias de outrora passam à noite por minha alma. Quando os bardos retornam para suas moradas, quando se penduram as harpas nos salões de Selma,6 eis que vem uma voz a Ossian e desperta sua alma. É a voz dos anos que se foram: eles deslizam diante de mim, com todos os seus feitos. Retenho as histórias e verto-as em canções. A canção do rei não é uma inquieta correnteza: é como a música que emerge das cordas de Leutha. –7 Leutha das muitas cordas, tuas flumíneas rochas não se quedam silentes quando as alvas mãos de Malvina se movem sobre a harpa. – Luz dos pensamentos sombrios que pairam sobre minha alma, ó filha de Toscar dos elmos, não ouvirás a canção? Evocamos, donzela de Leutha, os anos que se foram. Era nos dias do rei,9 à época em que minhas mechas ainda eram jovens, quando distingui Con-cathlin10 a erguer-se das noturnas vagas do oceano. Meu curso era em direção à ilha de Fuärfed, arboral moradora dos mares. Fingal me enviara em socorro de Mal-orchol, rei da selvagem Fuärfed, pois a guerra o cercava e, no passado, nossos pais se houveram reunido em júbilo. Em Col-coiled, abaixei minhas velas e enviei minha espada a Mal-orchol, senhor das conchas. Ele conhecia o sinal de Albion, e sua alegria se ergueu. Veio do alto de seu salão e, com pesar, tomou meu braço. “Por que a raça dos heróis vem ao encontro de um rei decadente? Ton-thormod de muitas lanças é o chefe da undosa Sar-dronlo. Viu e amou a minha filha, Oina-morul de alvo colo. Pediu-me a donzela e eu lha neguei, pois nossos pais foram inimigos. – Ele trouxe a batalha para Fuärfed. Meu povo foi rechaçado. – Por que a raça dos heróis vem ao encontro de um rei decadente?” Não vim, eu disse, como um menino para assistir a uma briga. Fingal se recorda de Mal-orchol e de seu salão [sempre aberto] aos forasteiros. Das vagas, o guerreiro desceu à tua ilha arboral. Não foste uma nuvem diante dele. Tua hospitalidade se espalhou em canções. Por isso, minha espada se erguerá, e teus inimigos, talvez, fracassarão. Nossos amigos jamais são esquecidos quando em apuros, embora a nossa terra seja distante. Filho do valoroso Trenmor, tuas palavras são como a voz de Cruth-loda,11 quando ele, o forte habitante dos céus, fala a partir de sua nuvem evanescente! Muitos se regozijaram à minha mesa, mas todos se esqueceram de Mal-orchol. Olhei na direção de todos os ventos, mas alvas velas não avistei. – Agora é o aço12 que ressoa em meu salão, e não mais as alegres conchas.13 – Acompanhaime à minha morada, raça de heróis. A noite de sombrias franjas está próxima. Ouçamos as canções que vêm da voz da donzela da selvagem Fuärfed. Nós fomos. Sobre a harpa se levantaram as alvas mãos de Oina-morul. De cada corda trêmula, ela despertou a sua triste história. Fiquei em silêncio, pois luminosa em suas mechas era a filha de muitas ilhas. Seus olhos eram como duas estrelas a olhar através de uma espessa chuva. O marinheiro as avista no alto e louva as graciosas luzes. – Com a manhã, nós nos precipitamos à batalha, para a ressoante corredeira de Tormul: o inimigo se movia ao som do umbonado escudo de Ton-thormod. De um lado a outro, as hostes se chocavam. Defrontei-me com o chefe de Sar-dronlo. Para longe voou seu estilhaçado aço. Na luta, subjuguei o rei. Atados por correias, entreguei seus braços a Mal-orchol, generoso com as suas conchas. A alegria se ergueu na celebração de Fuärfed, pois o inimigo fracassara. – Ton-thormod virou seu rosto para não contemplar Oina-morul das ilhas. Filho de Fingal, começou Mal-orchol, não serás esquecido por mim. Uma luz deve habitar em teu navio: Oina-morul de tardívagos olhos. Em companhia de poderosas almas, ela fará resplandecer a bondade. Tampouco ela caminhará incógnita pelos salões de Selma, por entre a morada dos reis. À noite, deitei-me no salão. Meus olhos estavam semicerrados pelo sono. Suave música veio aos meus ouvidos: era como a ascendente brisa que, primeiro, gira em torno das arestas do cardo e, depois, sopra, sombria, rente à grama. Era a donzela da selvagem Fuärfed: entoava a canção noturna, pois sabia que minha alma era um rio que fluía conforme agradáveis melodias. Quem olha, ela disse, do alto de sua rocha, para as espessas brumas [que pairam] sobre o oceano? Seus longos cabelos, como as asas do corvo, vagueiam ao sabor do vento. Mesmo no pesar, imponentes são os seus passos. As lágrimas estão em seus olhos. Seu peito viripotente arfa sobre sua alma devastada. – Afasta-te: estou longe, [sou] alguém que vagueia por terras desconhecidas. Embora a raça dos reis esteja ao meu redor, minha alma se queda sombria. – Por que nossos pais foram inimigos, Thon-thormod, paixão das donzelas? Suave voz da flumínea ilha, por que te lamentas pela noite? A raça do intrépido Trenmor não é sombria em sua alma. Não errarás por rios desconhecidos, Oina-morul de anilados olhos. – Deste peito vem uma voz que não vem a outros ouvidos: ela manda que Ossian ouça os desafortunados em seus momentos de angústia. Recolhe-te, doce cantora do crepúsculo. Ton-thormod não mais se lamentará em sua rocha. Com a chegada da manhã, libertei o rei. Dei-lhe a sua donzela de longas mechas. Mal-orchol ouviu as minhas palavras ecoarem pelo salão. – “Rei da selvagem Fuärfed, por que Ton-thormod deveria se lamentar? Ele pertence a uma raça de heróis e é uma chama na batalha. Vossos pais foram inimigos, mas agora seus turvos espectros se congratulam na morte. Em Loda, esticam seus braços de névoa para [partilharem da] mesma concha. Esquecei a sua ira, ó guerreiros: era a nuvem de outros anos.” – Esses foram os feitos de Ossian, enquanto suas mechas ainda eram jovens: embora a graça, com vestes de luz, cobrisse a filha de muitas ilhas. – Nós evocamos, donzela de Leutha,14 os anos que se foram! Thiago Rhys Bezerra Cass (USP) ]Dois Poemas do Ossian de Macpherson1 - Periódicos UFPE https://periodicos.ufpe.br/revistas/INV/article/download/1295/989

Não ser somente uma fotografia numa prateleira

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