https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S2175-33692020000100205&script=sci_arttext
https://elischolar.library.yale.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=1059&context=mssa_collections
Figura 5 – Hérnard, Esquemas teóricos de circulação de grandes metrópoles e seus perímetros de
irradiação Fonte: Hénard (1903-1906 [1982], p.204-205).
Figura 6 – Hénard, “Dispositif Angulaire” Fonte: Hénard 1903-1906 [1982], p.263
https://enanparq2016.files.wordpress.com/2016/09/s36-03-moreira-f.pdf
3 AGACHE E O AMBIENTE FRANCÊS
O surgimento do urbanismo na última década do século XIX foi um complexo processo de
transformação e reinvenção de muitas disciplinas. Influenciado por visões utópicas,
científicas, românticas, sociológicas e tecnológicas, estes escritos poderosos constituíram
formulações originais para o futuro das sociedades. Camillo Sitte, Ebenezer Howard, Patrick
Geddes, Ildefons Cerdá, Joseph Stübben e outros propuseram peças fundamentais desta
nova disciplina chamada urbanismo.
O sentido negativo mais tarde associado com a Beaux-Arts por historiadores da arquitetura
moderna obscureceu a verdadeira contribuição do urbanismo francês neste debate. Ainda
que enraizada na tradição Beaux-Arts, o pensamento urbanístico dessa geração foi capaz
de agregar novos temas e, de desta forma, desafiar os cânones da École. Dois desses
autores que tiveram um profundo impacto sobre a formulação da nova disciplina do
urbanismo e contribuíram para a as formulações de Agache: seu mestre Eugène Hénard e
seu contemporâneo Tony Garnier.5
Embora formado na École des Beaux-Arts em 1880, Eugène Hénard teve contato com a
construção de edifícios industriais e com novas técnicas e materiais modernos, o que o
conscientizou dos seus efeitos e de suas possibilidades para a vida nas cidades,
particularmente em termos de transporte de massa.6 Ele compreendeu que o grande desafio
da cidade moderna era a introdução de vastas redes de comunicações. Envolvido nas obras
públicas de Paris, ele defendeu a causa de um planejamento de longo prazo.7 Ele foi um
eminente membro do Musée Social e teve um papel fundamental na fundação do SFU,
sendo seu primeiro presidente. No Musée, conheceu o jovem Agache, que se tornou seu
discípulo e assistente.8
Sua crença no progresso representado pela relação entre a
tecnologia e a cidade foi o seu legado perene para os planejadores franceses.
A grande publicação de Hénard, Études sur les transformação de Paris, foi uma série de oito
fascículos sobre suas ideias para Paris, publicados entre 1903 e 1909 (Hénard, 1903-1906
[1982]). Études incluí propostas de muitos aspectos de uma cidade moderna, incluindo a
construção de novas pontes, ampliação de ruas, a substituição de fortificações por sistemas
de parques. Sua grande croisée para Paris foi uma grande influência para Agache e Le
Corbusier. Hénard enfatizou a circulação e transporte, que foram, de acordo com ele, os
aspectos mais desafiadores das cidades modernas:
A prosperidade de uma cidade é resultado do esforço de seus habitantes em todos os
ramos da atividade humana. A facilidade de trocas materiais e intelectuais é uma
necessidade urgente. O estabelecimento de um sistema racional de circulação é um
dos aspectos mais importantes do bem-estar público (Hénard, 1903-1906 [1982],
p.179).
Comparando Moscou, Londres e Berlim, ele concluiu que Paris necessitava de ruas radiais.
(fig.5). Assim, propôs um esquema de melhorias de tráfego para Paris por meio do
estabelecimento dos perimètres de rayonnement, um sistema de artérias radiais para
satisfazer diferentes padrões de circulação9 (Hénard, 1903-1906 [1982]), p.180-184).
O esquema teórico de Hénard estava na base da concepção do plano de Agache para o
Rio. Diante de sua difícil topografia, o futuro do Rio dependeria de um bom esquema de
circulação que facilitasse a comunicação entre os diferentes bairros. Assim, Agache propôs
um sistema radial-perimetral de vias expressas, rótulas e cruzamentos de modo a tornar a
cidade mais fluida. O Rio de Janeiro deveria ser o ponto nodal de uma rede nacional de
comunicação (incluindo rodovias, ferrovias e sistemas telefônicos) (Agache, 1930, p.120).
Hénard entendeu a limitação de intervenções pontuais para melhorar o tráfego e que não
consideravam o tecido existente da cidade. Apesar da rigidez sugerida por seus diagramas,
ele criticava os modelos abstratos e geométricos e procurou para conciliar seus esquemas
com a textura urbana de Paris.
Foram eles baseados na tradição histórica, na observação metódica dos fatos, sobre a
necessidade de circulação, na comparação de planos de cidades do exterior, sobre as
belezas existentes? 10
Hénard estudou detalhadamente a forma como as regras de trânsito e circulação poderiam
ser conciliadas com o tecido concreto da cidade. Depois de analisar o movimento,
cruzamentos e as chances de colisão de diferentes tipos de veículos, ele estabeleceu a
corte de canto (dispositif angulaire) e arcadas, a fim de melhorar a visibilidade do tráfego
(fig.6). A fim de promover um fluxo contínuo de tráfego, ele criou carrefour com vias
superpostas e rotundas (carrefour à giration). Rotundas e perímetros de irradiação foram as
principais contribuições de Hénard para o urbanismo francês e internacional (fig.7). Esta
solução virou parte de um vocabulário comum para o urbanismo da SFU e foi também
adotada por Agache no seu plano para o Bairro do Castello no Rio. Hénard foi um pioneiro
ao teorizar a introdução de tráfego nas cidades dentro de um quadro mais amplo e de
procurar manter a rua como essência fundamental da vida urbana .
Tony Garnier foi um dos expoentes desta geração formada na École, mas escapou ao
anonimato graças a reconhecimento por parte de Le Corbusier, seu projeto para a Cité
Industrielle, projeto elaborado me 1904 e publicado apenas em 1917. Apesar de quase
contemporâneo de Agache, acreditamos que a obra de Garnier foi importante para ele pela
mediação entre o legado clássico e as novas demandas da vida moderna que permeia cada
detalhe da Cité.
Garnier procurou reconciliar a serenidade atemporal da arquitetura clássica com as forças
técnicas da industrialização. Enquanto um certo número de conceitos da Cité Industrielle
encontrou lugar na base do urbanismo modernista, muitos elementos do passado ainda
persistem nesse projeto (Garnier, [1918], 1989; Banham, 1967, p.35-38; Frampton, 1980,
p.100-104; Choay, 1983, p. 243-244). A primeira impressão de irregularidade do plano não
resiste a uma análise mais cuidadosa, que revela a clara e funcional articulação das partes
por meio de um eixo central (fig.8). As avenidas retas e arborizadas que cortam
simetricamente o setor residencial provam seu débito para com a tradição clássica da
Beaux-Arts. A notável simplicidade e nudez dos edifícios têm um papel importante na
articulação dos espaços públicos, atestando a persistência da noção de decorum na
dimensão pública da cidade. Teatros, assembleias, escolas competem de igual para igual
com fábricas, hidrelétricas e usinas. De fato, Garnier raramente menciona a palavra
indústria, a Cité não era uma cidade apenas uma cidade industrial, mas um experimento
urbano para um regime de bem-estar social. Apesar de ter proposto a Cité como um modelo em um local imaginário, Garnier foi sensível ao sítio e estava preocupado com problemas
reais das cidades (Frampton, 1980, p. 102, Banham, 1967, p.36).
Garnier e Agache possuem muitas semelhanças e ilustram os dilemas e desafios impostos
pela vida moderna a essa geração. Eles tinham em comum a crença de que existiria uma
arquitetura perene que deveria ser adaptada a diferentes momentos e circunstâncias, e que
o arquiteto seria capaz de enfrentar o problema da cidade moderna. Eles tinham como
tarefa reconciliar o sistema Beaux-Arts com a cidade moderna. Uma análise de outros
projetos menos conhecidos de Garnier, como seu projeto para Marselha (fig.9), de 1913,
revela muitas similaridades com os planos de Agache, como o uso de blocos de edifícios,
edifícios que ocupam o limite do lote e com pátios internos, andares recuados nos últimos
andares (Delorme, 1981, p.20-22)
Agache era definitivamente um arquiteto Beaux-Arts e isso estava presente em seu método
de pensar e projetar cidades. Sua visão de uma cidade moderna estava profundamente
enraizada na tradição tratadística. Agache associava o funcionamento e a beleza de uma
cidade com aqueles do corpo humano. Para ele, uma boa cidade seria “um organismo,
como o organismo humano, no qual a circulação (vias), a digestão (sistema sanitário), a respiração (espaços abertos) eram convenientemente dispostos …” (1935, p.5) Agache
empregava a noção albertiana de que a beleza é o resultado da harmonia entre as partes
(Alberti, [1452], 1988, p.56). Se a beleza da cidade reside nas proporções harmônicas de
suas partes, o papel do urbanista, tanto para Agache como para Alberti, seria o de
orquestrar os elementos da cidade em um todo coerente: “a tarefa do urbanista é interpretar
os dados científicos e técnicos e traduzi-los em um harmônico e belo conjunto de formas”
(Agache, 1930, p.8). Para Agache, ao intervir em uma cidade, o urbanista deve identificar
seus elementos básicos, alocá-los na estrutura urbana, estabelecendo uma relação
adequada entre eles e suas funções. Concebendo a cidade como um problema
arquitetônico, Agache acreditava que ela deveria ser harmônica, não apenas no plano, mas,
sobretudo, em termos plásticos e volumétricos.
A rotulação do trabalho dessa geração de “urbanistas Beaux-Arts” tem obscurecido a real
complexidade desse período. Posteriormente mencionado por Le Corbusier e Giedion,
Garnier tornou-se o único nome lembrado dessa geração que permaneceu desconhecida
porque não desafiou abertamente os dogmas da École. Agache e seus colegas, entretanto,
perceberam que a abordagem da Beaux-Arts não responderia à crescente complexidade
das cidades no final do século XIX.
* * *
3 AGACHE E AS REFERÊNCIAS INTERNACIONAIS
O surgimento de urbanismo na Europa e Estados Unidos é um dos melhores exemplos da
transferência e difusão de ideias. As duas primeiras décadas do século XX, apesar das
tensões que levaram à Primeira Guerra Mundial, foi um período de intensa
internacionalização e intercâmbio, com a realização de conferências, reuniões, exposições e
publicações nas quais os primeiros urbanistas compartilharam suas ideias. Agache também
participou destes encontros e foi influenciado por outros urbanistas e pensadores fora da
França, particularmente Sitte, Geddes e Unwin.
Outra influência importante no trabalho de Agache foi Patrick Geddes.
11 Geddes e Agache
tiveram raízes do pensamento social francês do final dos anos 1870, em particular as
ciências emergentes da sociologia e geografia. Geddes estendeu as teorias de Auguste
Comte, Frédric Le Play e Elisée Reclus ao estudo dos assentamentos humanos, adotando uma perspectiva unificada para compreender o desenvolvimento urbano no seu contexto. 12
Considerando o crescimento da cidade como orgânico, Geddes desenvolveu uma
abordagem extremamente cuidadosa do território, incluindo o estudo das condições naturais
e ocupação humana. 13 Antes de fazer um plano, ele defendeu uma profunda compreensão
da cidade por meio de pesquisas, que deve estudar o passado da cidade e sua evolução,
vendo-a como um todo.
Agache conheceu Patrick Geddes, no verão de 1901 em Edimburgo, com o qual
desenvolveu uma frutífera amizade. Em 1912, usando o mesmo método comparativo de
Geddes, Agache apresentou uma exposição sobre a história das cidades, a qual foi utilizada
como complemento da Town Planning Exhibition de Geddes durante a conferência de Gent
de 1913. 14 Para ambos, a cidade era um organismo vivo cujas funções vitais devem ser
preservadas. Como Geddes, Agache também acreditava que o ambiente construído deveria
ser considerado em relação com o antropo-geografia do lugar. Agache também defendeu
um método rigoroso de observação para encontrar os padrões de evolução em uma cidade,
os princípios imanentes que governam sua evolução. Os aspectos topográficos, econômicos
e sociais dos distritos e bairros deveriam ser estudados na sua relação com a evolução
urbana. Para ambos, qualquer estudo urbano deveria começar com a análise monográfica
da cidade. Este estudo cuidadoso da criação, evolução, organização e funcionamento das
cidades, e comparação entre estas, ajudaria o urbanista a pensar o futuro da cidade.
Agache e tributário da visão de Geddes de uma cidade orgânica e o extenso levantamento
que ele fez no Rio apontou essa influência.
Ao contrário de Geddes, Agache, no entanto, estava preocupado com a criação de uma
nova ordem fora deste caos aparente. Recusando-se a criar planos geométricos e abstratos,
Geddes acreditava que o verdadeiro objetivo do planejamento da cidade era permitir que a
cidade se desenvolvesse organicamente, ao mesmo tempo que seu crescimento era
controlado. 15 A cidade deveria crescer para um ideal e o caminho para tal já existira na
cidade. O objetivo do urbanista era ajudar os cidadãos para identificar e atingir essas metas.
16 Consequentemente, Geddes não acreditava na cidade como uma obra de arte e se
concentrou na melhoria das cidades existentes, não em sua transformação radical. Em
contraste com Geddes, Agache, como pode ser visto nos seus planos, acreditava que a cidade poderia ser a expressão das ideias artísticas de uma única pessoa. Assim, a adoção
de ideias de Geddes por Agache foi muito seletiva, concentrando-se nos métodos de
abordar a estudar e cidades.17
O austríaco Camilo Sitte também desempenhou um papel importante no surgimento de
urbanismo francês. Questionando o fato de que as praças das cidades medievais e
renascentistas eram muito mais atraentes do que as modernas, Sitte procurou investigar
como as gerações precedentes conseguiram atingir tal beleza no tecido da cidade. Em Der
Städtebau, ele identificou os princípios subjacentes para tal e procurou defender a sua
aplicação no mundo contemporâneo, a fim de restaurar a urbanidade e beleza em cidades
modernas. Interessado no efeito que o conjunto construído teria sobre os moradores da
cidade, Sitte entendeu os centros urbanos como arranjos de formas, efeitos arquitetônicos,
ritmos e composições, como forma de criar um ambiente urbano psicologicamente
adequado ao homem. A premissa principal de Sitte foi que o planejamento da cidade era
uma arte que era capaz de emocionar um homem minimamente sensível ás artes. Os
volumes das edificações, a relação entre estes, a relação entre cheios e vazios, a textura
das fachadas, os efeitos de sombra e luz, a sensação de proteção, enfim, a experimentação
do espaço de uma praça poderiam ser recuperados como elementos essenciais do desenho
urbano. Tais premissas também foram seguidas por Agache, como pode ser visto quando
descreve os efeitos que pretendia provocar nos cidadãos por meio de massas arquitetônicas
de seus grandes conjuntos projetados para o Rio, a Entrada do Brasil e a Praça do Castello.
O grande mérito de Sitte foi o de recuperar a dimensão arquitetônica da cidade.
Particularmente preocupado com a qualidade de vida urbana, ele defendeu a criação de
espaços abertos salas de visita da cidade, limitadas por arcadas. Agache tentou conciliar
esta aproximação com as modernas exigências de tráfego e infraestrutura. Em suma, Sitte e
Agache procuraram conferir unidade e coerência à cidade moderna, embora a escala e os
propósitos fossem diferentes.
É importante notar que Agache teve acesso a Sitte provavelmente através de uma tradução
para o francês publicada por Camile Martin de1902, que enfatizou os aspectos pitorescos e
medievalistas de Sitte. Ao preocupar-se com as ruas, praças e a textura das cidades
antigas, Sitte não estava propriamente celebrando a era medieval, nem procurando
"estética" no sentido de tornar as cidades mais agradável aos olhos, como se tornou
comumente entendido na França. Este sentimentalismo presente na tradução de Martin certamente não interessou a Agache, que recusou o medievalismo e reassumiu seu
compromisso com a vida moderna.
Embora Agache tenha advogado pelas Cidades-Jardins, particularmente pelo crescimento
equilibrado e pelas intenções socialistas, ele não estava interessado nas ideias de Howard
em si como forma de escapar aos inconvenientes de uma grande cidade, mas em sua
aplicação dentro de partes de uma grande cidade. Ao contrário da tradição anglo-saxónica,
Agache tinha uma forte crença na vida urbana e no seu significado para a civilização
humana.18 O caráter das áreas suburbanas que ele propôs era muito diferente daquele
defendido por Howard ou a partir da experiência suburbana americana. Recusando os
diagramas de Howard, Agache enfrentou a cidade real e, por isso, o trabalho de Raymond
Unwin parece ter sido muito mais interessante para ele.
Por muito tempo negligenciada, a figura de Raymond Unwin, foi de importância fundamental
para o urbanismo moderno, pois ele forneceu ao modelo teórico das cidades-jardim uma
expressão arquitetônica e urbanística. Ele também traduziu as ideias defendidas por uma
geração de arquitetos e designers britânicos, como Voysey e Baillie-Scott, em formas
urbanas, estabelecendo os vínculos entre os princípios de Arts & Crafts e os da Cidade
Jardim.19 O seu trabalho principal, Town Planning in Practice de 1909, foi o desenvolvimento
lógico de essas ideias, incorporando influências de Sitte e dos urbanistas alemães em um
corpo de conhecimentos mais amplo e estruturado. No primeiro capítulo, intitulado "da arte
cívica como a expressão da vida cívica", ele afirmou que o principal problema das cidades
não foi a falta de construção ou códigos sanitários, mas a "a falta de beleza, de
comodidades, mais que qualquer outra coisa" (Unwin, 1911, p.4). Para Unwin, urbanismo
era um meio de alcançar a beleza da cidade, ao mesmo tempo em que se devia satisfazer
seus requisitos funcionais.
Unwin ofereceu um manual de design urbano, estabelecendo princípios para alcançar a
beleza em espaços urbanos, tais como a boa sensação de aconchego oferecida pelas
praças centrais e o charme das ruas curvas. A disposição da circulação foi concebida de
acordo com o tráfego, estabelecendo uma hierarquia desde as vielas estreitas e caminhos
de pedestres até às principais vias. Unwin destacou a importância de surpresa e variação ao
espectador, e mostrou como alcançá-los com o agrupamento de edifícios, cul-de-sac,
mudanças de direção, vistas, cruzamentos, gateways e plantio de árvores. A preservação das paisagens naturais, embelezamento de espaços abertos, e abertura de vistas para
elementos naturais também receberam atenção especial. Unwin estava traduzindo
elementos de Camilo Sitte para um quadro mais amplo, incluindo as grandes áreas
suburbanas e ainda não-urbanizadas. Para ele, mesmo nos subúrbios, os edifícios devem
formar uma imagem da cidade. A rótulo de arquiteto de Cidades Jardins dado à Unwin
deslocou a atenção longe do carácter inovador do seu trabalho como urbanista. Suas ideias
sobre o projeto de áreas suburbanas influenciou o tratamento que Agache destinou às áreas
residenciais, particularmente em seus planos para Dunquerque e Rio de Janeiro. Como
Unwin, Agache preferiu formas mais flexíveis adaptando-se aos acidentes topográficos no
lugar de desenvolvimentos em xadrez que desrespeitassem o terreno natural, como na sua
via-parque proposta para o Rio. O urbanismo francês também foi influenciado pela City
Beautiful Movement norte-americano do início do século XX, um tema que merece ser
explorado em outra oportunidade.
4 CONCLUSÕES
Agache retirou elementos de diferentes tradições, a fim de criar sua própria teoria
urbanística. Ele era um arquiteto da Beaux-Arts e isto está presente em seu método de
projetar cidades. Sua visão da cidade moderna estava profundamente enraizada na tradição
arquitetônica. Para ele, ao de defrontar com um plano de cidade, o urbanista deve identificar
os elementos básicos desta cidade, alocá-los na estrutura urbana, estabelecendo uma
relação adequada entre eles e as suas funções. Agache viu a cidade como um problema de
arquitetura. Cada cidade tem uma fisionomia que deve ser harmônica, não só no plano, mas
sobretudo em termos plásticos e volumétricos.
Agache procura se equipar para melhor lidar com a complexidade da cidade moderna. Para
tal, buscou elementos da nascente sociologia. Para ele, a cidade reflete uma ordem social:
"a aglomeração urbana é, sem dúvida, uma manifestação no plano, fachadas e volumes de
atividades humanas. Neste sentido, o urbanismo é uma aplicação da sociologia” (Agache,
1935, p.16). Acreditava que o papel do urbanista não era apenas resolver os problemas
urbanos, mas aliviar tensões sociais e amenizar o caos produzido pela sociedade moderna.
A cidade deveria ser estável e harmoniosa de modo a trazer o progresso e conforto para o
indivíduo. O aspecto plástico e arquitetônico da cidade também deve incutir e condensar
valores sociais. Para Agache, o urbanismo é técnica que fornece um sentido social para a
cidade.
A construção da disciplina urbanismo envolveu uma complexa rede de transferência de
ideias durante a última década do século XIX e as primeiras décadas do século XX. Agache buscou elementos em diferentes ideias dos primeiros urbanistas: os estudos sobre a
evolução urbana de Marcel Poéte, a preocupação com as redes viárias de Eugène Hénard,
na mediação entre a heranças clássicas e as demandas modernas de Tony Garnier, a forma
de abordar as cidades e sua inserção no território proposta por Patrick Geddes, as
preocupações com a beleza, a dimensão arquitetônica da cidade e o bem estar psíquico dos
pedestres de Camilo Sitte, o tratamento de áreas suburbanas e residenciais Raymond
Unwin, os grandes conjuntos monumentais do movimento norte-americano City Beautiful.
Agache seletivamente se apropriou de ideias de outros planejadores urbanos em uma
combinação singular.
Agache trouxe ao Brasil, em 1928, uma forma de pensar, abordar e planejar cidades. O Rio
de Janeiro, mais do que qualquer outra cidade, tornar-se-ia um campo primordial de
experimentação para ele. O plano do Rio foi um marco não apenas para o urbanismo
brasileiro, mas também um dos melhores exemplos da irradiação do urbanismo da SFU.
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