ESMAVC Radio Station – A Agressividade nas Relações Íntimas / Aggression in Intimate Relationship
- Publication date
- 2015
Programa Radiofónico de Carolina Teixeira Silva A Radio Broadcasting by Carolina Teixeira Silva
Maria Amália Vaz de Carvalho High School
Oficina de Multimédia / Class of Multimedia
Prof. João Soares Santos
O projecto ESMAVC Radio Station consiste na criação de conteúdos áudio digitais que poderão ser escutados através da internet ou transmitidos por outros meios de comunicação. Esses conteúdos são temáticos, congregam textos, locução, sequências musicais, ruídos, efeitos sonoros e silêncio, devidamente organizados consoante a intenção dos alunos. Este material é elaborado na disciplina de Oficina de Multimédia e pode ter qualidades mais experimentalistas e ensaísticas ou atributos mais convencionais. Serão tratados temas da História e Estética da Música, do Cinema, da Literatura, das Artes de Cena ou Plásticas bem como outros assuntos relevantes de outras áreas do conhecimento que os alunos decidam explorar.
Em paralelo realizar-se-ão anúncios publicitários referindo-se a produtos ou serviços absurdos nos quais a montagem sonora final terá um teor cómico, poético ou crítico.
ESMAVC Radio Station goal is the creation of digital audio content that can be heard over the internet or transmitted by other media. These contents are themed, congregate text, locution, musical sequences, noise, sound effects and silence, organized according to the students' motivation. This material is prepared in the class of Multimedia and will have a more experimental and essayistic orientation or a more conventional approach. Themes cover History and Aesthetics of Music, Cinema, Literature, the Performing Arts, Painting, Sculpture, Architecture, as well as alternative issues relevant to other areas of knowledge that students decide to explore.
In parallel the class must create advertisements referring to absurd products or services where the final editing must have a humorous, poetic or critical feature.
- Addeddate
- 2015-02-11 19:27:41
- Identifier
- CarolinaTeixeiraSilvaAAgressividadeNasRelacoesIntimasEQ
- Scanner
- Internet Archive HTML5 Uploader 1.6.1
- Year
- 2015
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Reviewer: intolerance - - February 11, 2015
Subject: A Agressividade nas Relações Íntimas
Subject: A Agressividade nas Relações Íntimas
A Agressividade nas Relações Íntimas
Baseado no estudo de Carla Paiva & Bárbara Figueiredo do
Departamento de Psicologia da Universidade do Minho
É do conhecimento científico e geral que as relações íntimas, quer sejam conjugais, de coabitação ou de namoro são, por vezes, pautadas pela presença de algum índice de disfunção e de abuso.
Conhecer quais os factores envolvidos neste tipo de incidentes poderá ter elevado interesse, não só em termos da prevenção primária, como também em termos de uma possível intervenção a encetar junto das pessoas envolvidas em relações abusivas.
Admite-se que, a agressão / violência é um acto em que um indivíduo prejudica ou lesa outro ou outros de sua própria espécie de um modo intencional. Existe ainda controvérsia em explicar se esse comportamento de causar danos a alguém surge devido à existência de um instinto ou se é resultante de múltiplas determinações motivacionais e circunstanciais. Na espécie humana, além da agressão capaz de causar lesão corporal, existem vários tipos de agressão: dirigida, verbal, deslocada, etc. definidas por critérios de classificação jurídicos ou oriundos de diversas disciplinas científicas.
A Organização Mundial da Saúde considera a violência como o uso de força ou poder, real ou apenas ameaçado, contra si próprio, contra outra pessoa ou contra um grupo ou uma comunidade, que resulte ou tenha possibilidade de resultar em lesão, morte, dano psicológico, deficiência de desenvolvimento ou privação.
Muitas são as possibilidades ou critérios para classificar a agressão, especialmente humana, como, por exemplo, como, de um modo geral, a própria linguagem das diversas culturas o faz, verbalizando a característica, a intensidade e o efeito da acção ou sentimento envolvido. Na língua portuguesa: encontramos termos como irritação, ira, raiva, fúria, cólera, paixão, etc. como factores que desencadeiam agressão e violência. As categorias jurídicas de classificação de crimes por sua vez tomam como parâmetros a intensidade do dano provocado (ofensa moral, lesão corporal, morte), a motivação e forma de execução. Se os crimes hediondos, por exemplo, se caracterizam por motivos fúteis e a sua realização por meios cruéis.
Explorando ainda as possibilidades linguísticas e forma de manifestação da agressão enumerarei algumas entre as quais estão aquelas mais ligadas à agressividade num relacionamento:
Combatividade (belicosidade): É o conjunto de confrontos adaptativos para o indivíduo ou espécie contra seus congéneres em situações de competição por objecto de motivação comum, podendo ainda se distinguir formas mais ofensivas ou defensivas.
Hostilidade (agressão hostil): É um tipo de agressão emocional e geralmente impulsiva. É um comportamento que visa a causar danos ao outro, independentemente de qualquer vantagem que se possa obter. Estamos face a uma agressão hostil quando, por exemplo, um condutor bate propositadamente na traseira do automóvel que o ultrapassou. Este comportamento só trouxe desvantagens para o próprio: tem de pagar os danos do seu carro, do carro do outro condutor, podendo ainda vir a ter problemas com a justiça. O termo raiva pode designar esse sentimento em oposição à agressão premeditada. A agressão sem motivo algum denomina-se agressão gratuita e é conhecida legalmente como constrangimento ilegal.
Agressão instrumental: esta consiste um tipo de agressão em que visa um objecto, que tem por fim conseguir algo, independentemente do dano que possa causar. É, frequentemente planeada e, portanto, não completamente guiada pela cegueira dos impulsos. Podemos apontar, como exemplo de agressão instrumental, o assalto a um banco: pode ocorrer no decurso da acção uma agressão, mas não é esse o objectivo. O seu fim é conseguir o dinheiro, a agressão que possa surgir é um subproduto da acção.
A Agressão directa: neste caso, o comportamento agressivo dirige-se à pessoa ou ao objecto que justifica a agressão. Na agressão sexual o objecto almejado confunde-se com o motivo da agressão na categoria acima descrita. Os motivos fúteis opõem-se à defesa da vida como critério de gravidade do acto agressivo. Nessa categoria, podem, ainda, ser incluídos os crimes de ódio, sadismo ou agressão sociopática;
Agressão deslocada: neste caso, o sujeito dirige a agressão a um alvo que não é responsável pela causa que lhe deu origem. Em animais também se observa esse mecanismo de controlo dos impulsos agressivos;
Auto-agressão: O sujeito desloca a agressão para si próprio.
Agressão aberta (aversão): Este tipo de agressão, que se pode manifestar pela violência física ou psicológica, concretiza-se de um modo explícito e directo, por exemplo, com espancamentos, ataques à auto-estima, humilhações;
A Agressão dissimulada: Este tipo de agressão recorre a meios não abertos para agredir. O sarcasmo e o cinismo são formas de agressão que visam a provocar o outro, feri-lo na sua auto-estima, gerando ansiedade. A teoria psicanalítica tem, como explicação desta forma de agressão, a motivação inconsciente;
Agressão inibida: Como o próprio nome indica, o sujeito não manifesta agressão para com o outro, mas dirige-se a si próprio. O sentimento de rancor é um exemplo desta forma de expressão da agressão. Algumas teorias psicológicas têm a agressão inibida como causa de diversas doenças psicossomáticas. O grau mais severo do rancor pode ser designado por ódio contudo ainda não existe um consenso para essa terminologia.
A agressividade é uma qualidade natural, humana ou animal, que tem a função de defesa diante dos perigos enfrentados e dos ataques recebidos, é um tipo de comportamento comum que se manifesta nos primeiros anos de vida, é uma forma encontrada pelas crianças para chamar a atenção. Deste modo, é um comportamento emocional que faz parte da afectividade de todas as pessoas que pode ser tanto física como psíquica (humilhar, ridicularizar, prender, chantagear, impedir de receber visitas, privar de alimento, dinheiro, saúde, obrigar a assinar documentos entre outras atitudes). Já na fase adulta, a agressividade manifesta-se ainda como reacção a factos que aparentemente induzem o indivíduo à disputa e ainda a sentimentos.
A cultura fornece-nos grelhas de interpretação sobre o amor, influenciando a forma como o conceptualizamos e, estas conceptualizações constrangem as experiências de amor e a forma como as vivenciamos
Neste programa, iremos tratar do abuso no contexto do relacionamento íntimo com o companheiro, baseando-nos em estudos feitos por Carla Paiva & Bárbara Figueiredo, do
Departamento de Psicologia da Universidade do Minho e, frisando as suas causas, bem como as consequências adversas que daí podem advir. Situar-nos-emos na idade adulta, dando particular relevo ao início da idade adulta, porque é neste momento que o abuso tende a ser mais prevalente e que a qualidade do relacionamento com o companheiro pode ser mais determinante para a sua duração e qualidade futura, com implicações em termos da saúde dos indivíduos.
As causas do abuso no contexto do relacionamento íntimo com o companheiro são relativas a uma grande diversidade de circunstâncias.
Concentrando na teoria da vinculação, esta foca-se na emergência e desenvolvimento dos “modelos internos dinâmicos” e no papel que tais modelos desempenham nas relações interpessoais que se estabelecem ao longo do ciclo de vida.
Pensa-se que as experiências vividas nos primeiros tempos de vida são relevantes para a construção do “eu” e na estruturação do mesmo e que os “modelos internos dinâmicos” então construídos vêm a manifestar-se na complexidade das situações relacionais, inclusive nas relações interpessoais íntimas estabelecidas na idade adulta.
Baseada nas experiências e nos padrões típicos de interacção com as figuras significativas durante a infância, cada pessoa presumivelmente constrói “modelos internos dinâmicos”, que se constituem em verdadeiros guiões do seu comportamento interpessoal subsequente, pois é a partir destes modelos que a mesma estabelece expectativas acerca do que pode esperar de si própria e dos outros quando uma relação se efectiva. Especificamente, os “modelos internos dinâmicos” incluem expectativas acerca da disponibilidade e da capacidade de resposta das figuras de vinculação que guiam as percepções e os comportamentos do indivíduo nas suas relações com as mesmas, vindo posteriormente, e no caso de serem mantidas, a ser aplicadas e por isso a influenciar as restantes relações interpessoais do indivíduo.
A investigação no âmbito da teoria da vinculação foca particularmente os indivíduos com história de cuidados inadequados e tem vindo a evidenciar como essas experiências adversas podem originar padrões de vinculação inseguros que interferem na qualidade do relacionamento do indivíduo até à idade adulta.
Estudos empíricos desenvolvidos no âmbito desta teoria mostram que crianças maltratadas durante a infância apresentam com frequência modelos representacionais “inseguros” na idade adulta. Mostram ainda que indivíduos com modelos representacionais “inseguros” na idade adulta têm mais dificuldades no relacionamento íntimo e são com mais frequência vítimas ou perpetradores de maus tratos nas relações interpessoais com pessoas significativas. Deste modo, os maus tratos sofridos durante a infância determinam dificuldades no relacionamento íntimo na idade adulta se e porque originam que o indivíduo construa padrões inseguros de vinculação.
Outros estudos desenvolvidos no âmbito da mesma teoria observam que indivíduos adultos com padrão de vinculação “seguro” tendem a juntar-se com companheiros “seguros”; Indivíduos adultos com padrão de vinculação “esquivo / furtivo” tendem a juntar-se com companheiros com padrão de vinculação “ambivalente”, no sentido de suscitarem as suas histórias de vinculação negativa e assim confirmarem as expectativas estabelecidas de acordo com os seus “modelos internos dinâmicos”. Mostram ainda que, muito embora a relativa ausência de casais “seguro/inseguro” em amostras maltratantes, um companheiro “seguro” poderá funcionar como “amortecedor” face aos efeitos da acção de um companheiro “inseguro”.
Deste modo, parece necessário compreender os factores associados à ocorrência do abuso no contexto do relacionamento íntimo com o companheiro numa perspectiva holística, integrando não apenas os aspectos que dizem respeito ao indivíduo, como também o contexto e a história relacional de ambos os elementos da díade, assim como os mediadores psicofisiológicos subjacentes à interacção entre eles.
Tendo em consideração a história relacional dos indivíduos, é de salientar que quando as experiências precoces são negativas, como no caso dos maus tratos infantis, efeitos adversos no desenvolvimento são susceptíveis de ocorrer, os quais podem não se confinar apenas à infância, mas estenderem-se a todo o ciclo de vida. Na medida em que os “modelos internos dinâmicos” inseguros, construídos a partir das experiências negativas da infância, limitam – o que de modo nenhum significa impedem - a possibilidade de se estabelecerem relações interpessoais que não confirmem esses mesmos modelos, as experiências negativas de infância condicionam adversamente o estabelecimento de relações interpessoais adequadas na idade adulta.
Swinford, DeMaris, Cernkovich, e Giordano por exemplo, num estudo longitudinal sobre 608 sujeitos, encontram que as práticas disciplinares de punição física na infância estão directamente relacionadas com a perpetração de abuso no relacionamento íntimo com o companheiro no início da idade adulta, sendo este facto aumentado quando existem problemas de comportamento durante a adolescência.
No entanto, não é apenas quando se consideram as experiências negativas que se observam os efeitos dos cuidados na infância sobre a qualidade do relacionamento interpessoal com o companheiro na idade adulta, influindo também a este respeito as experiências positivas.
Com efeito, os incidentes interactivos positivos com a família de origem, isto é o bom relacionamento com as figuras parentais, nomeadamente com a mãe durante a adolescência, e a presença de acções apoiantes e afectuosas por parte das mesmas, são também poderosos prenúncios, mas agora do relacionamento adequado durante a idade adulta, associando-se, num estudo longitudinal realizado com 193 jovens adultos e seus respectivos companheiros, à presença de comportamentos calorosos, apoiantes e de níveis inferiores de hostilidade para com o companheiro e, numa amostra de estudantes universitários entre os 18 e 24 anos, à presença de relações íntimas mais positivas no início da idade adulta.
Debruçar-nos-emos doravante na análise do padrão de vinculação na idade adulta e suas implicações para a qualidade do relacionamento íntimo.
O efeito das experiências de abuso na infância nas dificuldades interpessoais presentes nas relações íntimas com o companheiro durante a idade adulta é mediado pelo padrão de vinculação “inseguro” construído a partir das relações iniciais com os pais.
Também a experiência de abuso sexual na infância e o padrão de vinculação “ansioso”, assim como a excessiva necessidade de controlo do companheiro e o ciúme na relação pré-marital são fortes prenúncios dos relatos de agressão física.
A investigação empírica tem demonstrado que a representação da vinculação na idade adulta se associa à qualidade das relações íntimas com o companheiro, em aspectos tão diversos como os níveis de satisfação, compromisso, amor e confiança na relação, assim como nos níveis de abertura e suporte emocional que se procura obter junto do Indivíduos com diferentes padrões de vinculação têm crenças diversas acerca de si e dos outros, com implicações em termos da qualidade das suas relações íntimas com o companheiro. Por exemplo, indivíduos com um padrão de vinculação “inseguro” tendem a caracterizar as suas relações pré-maritais como menos positivas e menos satisfatórias que indivíduos com padrão de vinculação “seguro”, sobretudo quando aderem a estereótipos baseados no género.
No entanto, o nível de satisfação no relacionamento interpessoal íntimo depende ainda do padrão de vinculação do outro membro do casal. Assim, as mulheres tendem a estar menos satisfeitas junto de companheiros com padrão de vinculação “esquivo / furtivo”, porque estes denegam a importância da relação, ao passo que os homens tendem a estar menos satisfeitos junto de companheiras com padrão de vinculação “ansioso/ambivalente”, porque se sentem ameaçados pela exigência e natureza possessiva das mesmas. Hazan e Shaver (1987) sustentam diferenças em cada um dos três tipos de vinculação que distinguem quanto à forma como os indivíduos experienciam as suas relações íntimas. Assim, os sujeitos com padrão “seguro” caracterizam as suas relações íntimas como amáveis, felizes e confiáveis, os sujeitos com padrão “esquivo / furtivo” referem medo da intimidade, enquanto os sujeitos com padrão “ansioso/ambivalente” descrevem ciúme ou ressentimento, altos e baixos emocionais e desejo de retribuição.
Enquanto processo de desenvolvimento, o processo de construção da vinculação inclui as figuras parentais, no qual não deverão ser descuradas as relações estabelecidas na infância e a qualidade dessas mesmas relações, nomeadamente a presença de abuso físico, psicológico ou sexual. A investigação empírica conduzida no âmbito das relações interpessoais íntimas tem vindo a mostrar o impacto das experiências da infância, assim como o impacto da qualidade da vinculação, no estabelecimento do relacionamento interpessoal com o companheiro na idade adulta. Muitos autores consideram que as experiências precoces interferem na qualidade do relacionamento íntimo na idade na medida em que contribuem para o padrão de vinculação do indivíduo. Outros autores, salientam o papel do suporte social e das relações adequadas com outras pessoas que não os pais, como amortecedor do impacto adverso das experiências negativas ocorridas durante a infância sobre a qualidade do relacionamento com o companheiro na idade adulta.
Após descrever os fenómenos subjacentes à qualidade do relacionamento íntimo na idade adulta, focalizando especificamente a história do desenvolvimento individual no que respeita à construção dos “modelos internos dinâmicos”, interessa agora explicar os mecanismos psicofisiológicos que têm lugar aquando do estabelecimento de um relacionamento íntimo, assim como os efeitos deles decorrentes nomeadamente na presença de situações adversas.
Segundo Carla Paiva e Bárbara Figueiredo da Departamento de Psicologia da Universidade do Minho, a investigação sobre a psicofisiologia da vinculação em indivíduos adultos é escassa. No entanto, algumas investigações conduzidas com primatas não humanos sugerem que os cuidados precoces modulam a morfologia cerebral, nomeadamente em termos do desenvolvimento de algumas estruturas do hipocampo. Por sua vez, factores fisiológicos intrínsecos (por exemplo, o controlo autonómico da frequência cardíaca e do sistema de neurotransmissores do sistema nervoso central) parecem estar associados à variabilidade encontrada nas respostas à separação e nos comportamentos de vinculação.
Alterações significativas na experiência relacional precoce do indivíduo podem provocar alterações duradouras na bioquímica e morfologia cerebral, que posteriormente influenciam o seu comportamento e reposta ao stress. Isto acontece porque, na formação da vinculação em primatas (humanos e não humanos), estão envolvidas estruturas neuroanatómicas e neuroquímicas, que mais tarde potenciam e suportam o desenvolvimento de novos laços afectivos. Estas estruturas não estão ainda claramente conhecidas, mas pensa-se que incluem os núcleos pré-ópticos médios do hipocampo, o córtex temporal anterior e as áreas límbicas fronto-temporais.
A mutualidade e a componente sexual distinguem, em termos da sua função, as relações de vinculação na idade adulta das relações de vinculação da infância. A procura de conforto e contacto físico contribuiu para o fortalecimento dos laços afectivos na idade adulta, tornando-se cada vez mais notória à medida que a relação evolui para níveis cada vez maiores de intimidade, dado que é acompanhada por estados psicológicos e fisiológicos activados, compensados e/ou moderados pelos comportamentos de contacto físico.
Este processo de transformação que se observa no curso das relações românticas, dos estados de activação inicial, para os estados de conforto e bem-estar, parece reflectir um processo aditivo mediado pela actividade opiácea endógena no cérebro, cuja regulação homeostática acontece através do comportamento.
Leibowitz (1983) refere que o estado de activação, é mediado pela fenilatilamina, que tem um efeito semelhante ao das anfetaminas, cuja habituação estimula a produção de endorfinas, as quais induzem um efeito contrastante de calma e contentamento.
Em diferentes espécies, os opiáceos endógenos têm um papel importante na regulação das emoções e especialmente na inibição dos efeitos desorganizadores da separação, enquanto o seu bloqueio os exacerba. Por mecanismos de condicionamento, os opiáceos tendem a associar uma resposta inibidora (i.e., alívio da tensão, relaxamento) à resposta activadora (i.e., ansiedade). Este tipo de trocas é o que ocorre em termos biológicos nas relações próximas (i.e., na relação mãe-bebé e nas relações românticas). As relações que levam ao desenvolvimento de laços afectivos parecem ser aquelas que elevam a activação fisiológica, a qual é repetidamente atenuada pela mesma pessoa no contexto de um contacto corporal próximo. Assim, a vinculação poderá envolver o condicionamento de um sistema opiáceo ao estímulo de uma determinada ordem. A transição entre o estado inicial de activação e a moderação desta activação pelo contacto com o companheiro poderá ser um indicador que o comportamento de vinculação está estabelecido e gerar descompensação aquando da separação.
Hofer (1984) defende que deste sistema em interacção resulta uma interdependência fisiológica entre ambos os elementos de uma relação, cuja separação gera desorganização e consequente mal-estar emocional. Assim, a pessoa tende a sentir “segurança emocional” quando está próxima do companheiro (particularmente em alturas de stress) e “protesto” quando este ameaça tornar-se indisponível.
Compreendemos assim que as relações precoces modelam um conjunto de respostas neurofisiológicas, podendo consubstanciar-se diferentes respostas neurofisiológicas de acordo com o padrão de vinculação, dado que o mesmo resulta de diferentes experiências relacionais com os pais.
Tais respostas funcionam como um molde para situações futuras, sendo activadas aquando de diferentes tipos de acontecimentos de vida, especificamente perante situações “desorganizadoras” ou que causam stress, como por exemplo na ocorrência de abuso no quadro do relacionamento íntimo. Neste momento faz sentido compreender qual o impacto do abuso no contexto do relacionamento com o companheiro em termos da saúde dos indivíduos.
As experiências de abuso (físico, psicológico e sexual) no contexto do relacionamento íntimo com o companheiro, têm efeitos adversos significativos a curto e a longo prazo. Rush (2000), por exemplo, apresenta a questão da violência contra a mulher não apenas como um problema social, mas também como um problema de saúde pública. Com efeito, este autor verifica que as mulheres que foram vítimas de abuso do contexto da relação com o companheiro recorrem mais a serviços médicos, têm maior taxa de assiduidade, ficam mais
dias de cama e exibem mais sintomas de stress e depressão, assim como ideação e/ou tentativas de suicídio, stress pós-traumático, baixa auto-estima, abuso de álcool e de outras drogas.
Os efeitos a curto prazo das experiências de abuso, englobam um vasto leque de reacções emocionais que incluem medo, raiva, isolamento e mal-estar emocional. Englobam ainda queixas somáticas, tais como insónia, dores de cabeça, problemas gastrointestinais, e dor pélvica, e também sequelas físicas, como ossos partidos e concussões vaginais.
Os efeitos a longo prazo do abuso sexual incluem: depressão, disfunção sexual, abuso e dependência de drogas e álcool, sintomas de stress pós-traumático e sintomas dissociativos. Para o abuso físico e psicológico, estes efeitos incluem especificamente: depressão, elevada desconfiança em relação aos membros do sexo oposto, hipervigilância aos sinais de controlo e baixa auto-estima.
Para além do comprometimento negativo ao nível da qualidade do relacionamento interpessoal com o companheiro, é de salientar um outro efeito a longo prazo particularmente insidioso e importante, que se refere à vitimização subsequente, quer no que respeita ao abuso físico, quer no que respeita ao abuso sexual.
Em termos da saúde
Seguindo o estudo de Carla Paiva & Bárbara Figueiredo do Departamento de Psicologia da Universidade do Minho, os efeitos da qualidade dos relacionamentos íntimos no estado de saúde dos indivíduos têm sido cada vez mais estudados.
Já referimos anteriormente os estados psicofisiológicos associados ao relacionamento íntimo. Para que melhor possamos compreender o impacto do fenómeno do abuso no relacionamento íntimo com o companheiro no estado de saúde dos indivíduos faremos referência ao “modelo transaccional de stress”. Assim, cabe entender o abuso no relacionamento interpessoal íntimo, como um causadores de stress que suscita na vítima um processo de avaliação primária, o qual envolve o reconhecimento de algo como perigoso, e um processo de avaliação secundária, que envolve a revisão dos recursos do indivíduo para enfrentar esse acontecimento. Estabelecendo um paralelismo neurofisiológico com o “modelo transaccional de stress”, Damásio (1994) salienta a importância das estruturas límbicas (amígdala, hipocampo) e do córtex pré-frontal, na troca de informações entre os estímulos recebidos, as respostas a accionar e a carga emocional respectiva. No processo de resposta ao stress existe uma integração cortical e límbica que modula a resposta imunológica e o controlo das respostas autonómica e endócrina.
Experiências repetidas de stress psicológico suscitam emoções negativas como depressão, hostilidade, raiva, agressão, que estão relacionadas com o sistema imunitário e com a saúde. Podemos inferir que o tipo de coping com os causadores de stress terá qualquer coisa a ver com os “modelos internos dinâmicos” que foram construídos ao longo da história relacional do indivíduo, nomeadamente com as figuras significativas durante a infância, os quais para um mesmo causadores de stress poderão determinar diferentes avaliações e diferentes padrões de activação fisiológica. Só assim se pode compreender que tais modelos exerçam uma importante mediação ao nível das respostas do indivíduo, nomeadamente na avaliação que este faz das situações (e.g. ameaça versus desafio), bem como na sua consequente inter-relação com o sistema fisiológico (activação versus inibição simpática), sustentando a afirmação de Hazan e Zeifman (1999), a respeito do papel mediador do padrão de vinculação, nas consequências do abuso para a saúde física e mental dos indivíduos.
A respeito das consequências do abuso no relacionamento íntimo no estado de saúde dos indivíduos, Coffey, Leitenberg, Henning, Bennet e Jankowski (1996) avaliam a prevalência de abuso físico nas relações pré-maritais em 976 estudantes universitárias e verificam a existência de valores elevados de mal-estar psicológico resultante do abuso físico ocorrido na relação com o companheiro. Quando esses valores são comparados com os valores associados a outros causadores de stress de vida, verifica-se que são significativamente mais elevados. Os autores constatam ainda que os valores de mal-estar psicológico, associados ao abuso físico sofrido na relação com o companheiro, aumentam significativamente em função da história recente de abuso sexual, assim como da história de abuso físico ou sexual na infância e da observação de conflitos entre os pais.
Por sua vez, Cascardi, O’Leary, e Schlee (1999) denotam que em 92 mulheres vítimas de abuso físico pelo companheiro, 29,8% apresenta critérios para perturbação de stress pós-traumático e 32% critérios para perturbação depressiva maior.
Uchino, Ccioppo e Kiecolt-Glaser (1996) referem que após a disrupção de uma relação significativa existe uma maior vulnerabilidade para a ocorrência quer de um elevado número de doenças, associadas a um pior funcionamento do sistema imunológico, quer de abuso de substâncias e de outros quadros psicopatológicos.
Levenson e Gottman (1985, 1992), ao estudar a resposta psicofisiológica na interacção entre os membros do casal para a solução de um problema, encontram que a presença de níveis elevados de activação fisiológica é um forte prognosticador dos futuros declínios na satisfação e qualidade da sua relação, nomeadamente os elevados níveis de activação do sistema nervoso simpático, que também têm sido referidos como possíveis mediadores da relação stress-doença.
Jacobson, Gottman, Waltz, Rushe, e Babcock (1993) avaliam em casais violentos e não violentos os indicadores psicofisiológicos associados à experiência de raiva e medo. Verificam que, comparados com os casais não violentos, nos casais violentos, quer a vítima quer o perpetrador do abuso manifesta valores mais elevados de raiva e maior activação do sistema nervoso autónomo, avaliada através da variabilidade da frequência cardíaca.
Coker, Sanderson, Fadden, e Pirisi (2000), num estudo sobre 1152 mulheres entre os 18 e os 65 anos de idade, seleccionadas com base na experiência prévia de violência nas relações íntimas, encontram 14 mulheres com cancro cervical e 234 em tratamento para neoplasia cervical, salientando uma associação aumentada para as mulheres que sofreram abuso físico ou sexual, relativamente àquelas que sofreram abuso psicológico, assim como relacionamentos de longa duração e elevada frequência das agressões como factor de risco para a ocorrência de neoplasia cervical.
Lown e Veja (2001), sublinham que em 1155 mulheres entre os 18 e os 59 anos de idade, as que reportam abuso físico ou sexual no relacionamento íntimo durante o ano anterior ao estudo, apresentam valores inferiores quanto à saúde física e mental, assim como história de problemas cardíacos, e numerosos sintomas somáticos.
Muitos autores comparam mulheres com e sem experiência de abuso pelo companheiro e observam que as mulheres abusadas reportam maior número de sintomas físicos tais como: dores de cabeça, dores de costas, doenças sexualmente transmissíveis, dor pélvica, corrimentos vaginais, dor no acto sexual, infecções do tracto urinário, perda de apetite, dor abdominal, problemas digestivos, e outros problemas relacionados com o stress crónico e com o sistema nervoso central, como por exemplo, dor crónica, problemas ginecológicos, sintomas neurológicos e surdez. Coker et al. (2000a) salientam ainda que o abuso psicológico pelo companheiro tem consequências adversas na saúde da mulher nomeadamente por se associar à presença de artrite, dor crónica, enxaqueca e sintomas gastrointestinais.
É muito frequente encontrar patologias relacionadas com o stress, nomeadamente doença do cólon irritável.
À experiência de abuso no relacionamento íntimo com o companheiro associa-se um pior funcionamento físico e mental do indivíduo. Como vimos nos estudos empíricos que apresentamos, quer o abuso físico, quer o abuso psicológico, quer o abuso sexual determinam uma maior vulnerabilidade para a presença de perturbação psicológica e/ou de perturbação física. No entanto, nas mulheres, o abuso psicológico e sexual está menos relacionado com a pior saúde física e a doença crónica, enquanto nos homens, apenas o abuso psicológico prediz a morbilidade física.
A experiência de abuso no relacionamento íntimo com o companheiro pode pois ser considerada como um factor de risco para a ocorrência de um considerável número de perturbações do foro psicológico ou físico, que originam um considerável agravamento na qualidade de vida das vítimas.
Carolina Teixeira Silva
https://archive.org/details/CarolinaTeixeiraSilvaAAgressividadeNasRelacoesIntimasEQ
Baseado no estudo de Carla Paiva & Bárbara Figueiredo do
Departamento de Psicologia da Universidade do Minho
É do conhecimento científico e geral que as relações íntimas, quer sejam conjugais, de coabitação ou de namoro são, por vezes, pautadas pela presença de algum índice de disfunção e de abuso.
Conhecer quais os factores envolvidos neste tipo de incidentes poderá ter elevado interesse, não só em termos da prevenção primária, como também em termos de uma possível intervenção a encetar junto das pessoas envolvidas em relações abusivas.
Admite-se que, a agressão / violência é um acto em que um indivíduo prejudica ou lesa outro ou outros de sua própria espécie de um modo intencional. Existe ainda controvérsia em explicar se esse comportamento de causar danos a alguém surge devido à existência de um instinto ou se é resultante de múltiplas determinações motivacionais e circunstanciais. Na espécie humana, além da agressão capaz de causar lesão corporal, existem vários tipos de agressão: dirigida, verbal, deslocada, etc. definidas por critérios de classificação jurídicos ou oriundos de diversas disciplinas científicas.
A Organização Mundial da Saúde considera a violência como o uso de força ou poder, real ou apenas ameaçado, contra si próprio, contra outra pessoa ou contra um grupo ou uma comunidade, que resulte ou tenha possibilidade de resultar em lesão, morte, dano psicológico, deficiência de desenvolvimento ou privação.
Muitas são as possibilidades ou critérios para classificar a agressão, especialmente humana, como, por exemplo, como, de um modo geral, a própria linguagem das diversas culturas o faz, verbalizando a característica, a intensidade e o efeito da acção ou sentimento envolvido. Na língua portuguesa: encontramos termos como irritação, ira, raiva, fúria, cólera, paixão, etc. como factores que desencadeiam agressão e violência. As categorias jurídicas de classificação de crimes por sua vez tomam como parâmetros a intensidade do dano provocado (ofensa moral, lesão corporal, morte), a motivação e forma de execução. Se os crimes hediondos, por exemplo, se caracterizam por motivos fúteis e a sua realização por meios cruéis.
Explorando ainda as possibilidades linguísticas e forma de manifestação da agressão enumerarei algumas entre as quais estão aquelas mais ligadas à agressividade num relacionamento:
Combatividade (belicosidade): É o conjunto de confrontos adaptativos para o indivíduo ou espécie contra seus congéneres em situações de competição por objecto de motivação comum, podendo ainda se distinguir formas mais ofensivas ou defensivas.
Hostilidade (agressão hostil): É um tipo de agressão emocional e geralmente impulsiva. É um comportamento que visa a causar danos ao outro, independentemente de qualquer vantagem que se possa obter. Estamos face a uma agressão hostil quando, por exemplo, um condutor bate propositadamente na traseira do automóvel que o ultrapassou. Este comportamento só trouxe desvantagens para o próprio: tem de pagar os danos do seu carro, do carro do outro condutor, podendo ainda vir a ter problemas com a justiça. O termo raiva pode designar esse sentimento em oposição à agressão premeditada. A agressão sem motivo algum denomina-se agressão gratuita e é conhecida legalmente como constrangimento ilegal.
Agressão instrumental: esta consiste um tipo de agressão em que visa um objecto, que tem por fim conseguir algo, independentemente do dano que possa causar. É, frequentemente planeada e, portanto, não completamente guiada pela cegueira dos impulsos. Podemos apontar, como exemplo de agressão instrumental, o assalto a um banco: pode ocorrer no decurso da acção uma agressão, mas não é esse o objectivo. O seu fim é conseguir o dinheiro, a agressão que possa surgir é um subproduto da acção.
A Agressão directa: neste caso, o comportamento agressivo dirige-se à pessoa ou ao objecto que justifica a agressão. Na agressão sexual o objecto almejado confunde-se com o motivo da agressão na categoria acima descrita. Os motivos fúteis opõem-se à defesa da vida como critério de gravidade do acto agressivo. Nessa categoria, podem, ainda, ser incluídos os crimes de ódio, sadismo ou agressão sociopática;
Agressão deslocada: neste caso, o sujeito dirige a agressão a um alvo que não é responsável pela causa que lhe deu origem. Em animais também se observa esse mecanismo de controlo dos impulsos agressivos;
Auto-agressão: O sujeito desloca a agressão para si próprio.
Agressão aberta (aversão): Este tipo de agressão, que se pode manifestar pela violência física ou psicológica, concretiza-se de um modo explícito e directo, por exemplo, com espancamentos, ataques à auto-estima, humilhações;
A Agressão dissimulada: Este tipo de agressão recorre a meios não abertos para agredir. O sarcasmo e o cinismo são formas de agressão que visam a provocar o outro, feri-lo na sua auto-estima, gerando ansiedade. A teoria psicanalítica tem, como explicação desta forma de agressão, a motivação inconsciente;
Agressão inibida: Como o próprio nome indica, o sujeito não manifesta agressão para com o outro, mas dirige-se a si próprio. O sentimento de rancor é um exemplo desta forma de expressão da agressão. Algumas teorias psicológicas têm a agressão inibida como causa de diversas doenças psicossomáticas. O grau mais severo do rancor pode ser designado por ódio contudo ainda não existe um consenso para essa terminologia.
A agressividade é uma qualidade natural, humana ou animal, que tem a função de defesa diante dos perigos enfrentados e dos ataques recebidos, é um tipo de comportamento comum que se manifesta nos primeiros anos de vida, é uma forma encontrada pelas crianças para chamar a atenção. Deste modo, é um comportamento emocional que faz parte da afectividade de todas as pessoas que pode ser tanto física como psíquica (humilhar, ridicularizar, prender, chantagear, impedir de receber visitas, privar de alimento, dinheiro, saúde, obrigar a assinar documentos entre outras atitudes). Já na fase adulta, a agressividade manifesta-se ainda como reacção a factos que aparentemente induzem o indivíduo à disputa e ainda a sentimentos.
A cultura fornece-nos grelhas de interpretação sobre o amor, influenciando a forma como o conceptualizamos e, estas conceptualizações constrangem as experiências de amor e a forma como as vivenciamos
Neste programa, iremos tratar do abuso no contexto do relacionamento íntimo com o companheiro, baseando-nos em estudos feitos por Carla Paiva & Bárbara Figueiredo, do
Departamento de Psicologia da Universidade do Minho e, frisando as suas causas, bem como as consequências adversas que daí podem advir. Situar-nos-emos na idade adulta, dando particular relevo ao início da idade adulta, porque é neste momento que o abuso tende a ser mais prevalente e que a qualidade do relacionamento com o companheiro pode ser mais determinante para a sua duração e qualidade futura, com implicações em termos da saúde dos indivíduos.
As causas do abuso no contexto do relacionamento íntimo com o companheiro são relativas a uma grande diversidade de circunstâncias.
Concentrando na teoria da vinculação, esta foca-se na emergência e desenvolvimento dos “modelos internos dinâmicos” e no papel que tais modelos desempenham nas relações interpessoais que se estabelecem ao longo do ciclo de vida.
Pensa-se que as experiências vividas nos primeiros tempos de vida são relevantes para a construção do “eu” e na estruturação do mesmo e que os “modelos internos dinâmicos” então construídos vêm a manifestar-se na complexidade das situações relacionais, inclusive nas relações interpessoais íntimas estabelecidas na idade adulta.
Baseada nas experiências e nos padrões típicos de interacção com as figuras significativas durante a infância, cada pessoa presumivelmente constrói “modelos internos dinâmicos”, que se constituem em verdadeiros guiões do seu comportamento interpessoal subsequente, pois é a partir destes modelos que a mesma estabelece expectativas acerca do que pode esperar de si própria e dos outros quando uma relação se efectiva. Especificamente, os “modelos internos dinâmicos” incluem expectativas acerca da disponibilidade e da capacidade de resposta das figuras de vinculação que guiam as percepções e os comportamentos do indivíduo nas suas relações com as mesmas, vindo posteriormente, e no caso de serem mantidas, a ser aplicadas e por isso a influenciar as restantes relações interpessoais do indivíduo.
A investigação no âmbito da teoria da vinculação foca particularmente os indivíduos com história de cuidados inadequados e tem vindo a evidenciar como essas experiências adversas podem originar padrões de vinculação inseguros que interferem na qualidade do relacionamento do indivíduo até à idade adulta.
Estudos empíricos desenvolvidos no âmbito desta teoria mostram que crianças maltratadas durante a infância apresentam com frequência modelos representacionais “inseguros” na idade adulta. Mostram ainda que indivíduos com modelos representacionais “inseguros” na idade adulta têm mais dificuldades no relacionamento íntimo e são com mais frequência vítimas ou perpetradores de maus tratos nas relações interpessoais com pessoas significativas. Deste modo, os maus tratos sofridos durante a infância determinam dificuldades no relacionamento íntimo na idade adulta se e porque originam que o indivíduo construa padrões inseguros de vinculação.
Outros estudos desenvolvidos no âmbito da mesma teoria observam que indivíduos adultos com padrão de vinculação “seguro” tendem a juntar-se com companheiros “seguros”; Indivíduos adultos com padrão de vinculação “esquivo / furtivo” tendem a juntar-se com companheiros com padrão de vinculação “ambivalente”, no sentido de suscitarem as suas histórias de vinculação negativa e assim confirmarem as expectativas estabelecidas de acordo com os seus “modelos internos dinâmicos”. Mostram ainda que, muito embora a relativa ausência de casais “seguro/inseguro” em amostras maltratantes, um companheiro “seguro” poderá funcionar como “amortecedor” face aos efeitos da acção de um companheiro “inseguro”.
Deste modo, parece necessário compreender os factores associados à ocorrência do abuso no contexto do relacionamento íntimo com o companheiro numa perspectiva holística, integrando não apenas os aspectos que dizem respeito ao indivíduo, como também o contexto e a história relacional de ambos os elementos da díade, assim como os mediadores psicofisiológicos subjacentes à interacção entre eles.
Tendo em consideração a história relacional dos indivíduos, é de salientar que quando as experiências precoces são negativas, como no caso dos maus tratos infantis, efeitos adversos no desenvolvimento são susceptíveis de ocorrer, os quais podem não se confinar apenas à infância, mas estenderem-se a todo o ciclo de vida. Na medida em que os “modelos internos dinâmicos” inseguros, construídos a partir das experiências negativas da infância, limitam – o que de modo nenhum significa impedem - a possibilidade de se estabelecerem relações interpessoais que não confirmem esses mesmos modelos, as experiências negativas de infância condicionam adversamente o estabelecimento de relações interpessoais adequadas na idade adulta.
Swinford, DeMaris, Cernkovich, e Giordano por exemplo, num estudo longitudinal sobre 608 sujeitos, encontram que as práticas disciplinares de punição física na infância estão directamente relacionadas com a perpetração de abuso no relacionamento íntimo com o companheiro no início da idade adulta, sendo este facto aumentado quando existem problemas de comportamento durante a adolescência.
No entanto, não é apenas quando se consideram as experiências negativas que se observam os efeitos dos cuidados na infância sobre a qualidade do relacionamento interpessoal com o companheiro na idade adulta, influindo também a este respeito as experiências positivas.
Com efeito, os incidentes interactivos positivos com a família de origem, isto é o bom relacionamento com as figuras parentais, nomeadamente com a mãe durante a adolescência, e a presença de acções apoiantes e afectuosas por parte das mesmas, são também poderosos prenúncios, mas agora do relacionamento adequado durante a idade adulta, associando-se, num estudo longitudinal realizado com 193 jovens adultos e seus respectivos companheiros, à presença de comportamentos calorosos, apoiantes e de níveis inferiores de hostilidade para com o companheiro e, numa amostra de estudantes universitários entre os 18 e 24 anos, à presença de relações íntimas mais positivas no início da idade adulta.
Debruçar-nos-emos doravante na análise do padrão de vinculação na idade adulta e suas implicações para a qualidade do relacionamento íntimo.
O efeito das experiências de abuso na infância nas dificuldades interpessoais presentes nas relações íntimas com o companheiro durante a idade adulta é mediado pelo padrão de vinculação “inseguro” construído a partir das relações iniciais com os pais.
Também a experiência de abuso sexual na infância e o padrão de vinculação “ansioso”, assim como a excessiva necessidade de controlo do companheiro e o ciúme na relação pré-marital são fortes prenúncios dos relatos de agressão física.
A investigação empírica tem demonstrado que a representação da vinculação na idade adulta se associa à qualidade das relações íntimas com o companheiro, em aspectos tão diversos como os níveis de satisfação, compromisso, amor e confiança na relação, assim como nos níveis de abertura e suporte emocional que se procura obter junto do Indivíduos com diferentes padrões de vinculação têm crenças diversas acerca de si e dos outros, com implicações em termos da qualidade das suas relações íntimas com o companheiro. Por exemplo, indivíduos com um padrão de vinculação “inseguro” tendem a caracterizar as suas relações pré-maritais como menos positivas e menos satisfatórias que indivíduos com padrão de vinculação “seguro”, sobretudo quando aderem a estereótipos baseados no género.
No entanto, o nível de satisfação no relacionamento interpessoal íntimo depende ainda do padrão de vinculação do outro membro do casal. Assim, as mulheres tendem a estar menos satisfeitas junto de companheiros com padrão de vinculação “esquivo / furtivo”, porque estes denegam a importância da relação, ao passo que os homens tendem a estar menos satisfeitos junto de companheiras com padrão de vinculação “ansioso/ambivalente”, porque se sentem ameaçados pela exigência e natureza possessiva das mesmas. Hazan e Shaver (1987) sustentam diferenças em cada um dos três tipos de vinculação que distinguem quanto à forma como os indivíduos experienciam as suas relações íntimas. Assim, os sujeitos com padrão “seguro” caracterizam as suas relações íntimas como amáveis, felizes e confiáveis, os sujeitos com padrão “esquivo / furtivo” referem medo da intimidade, enquanto os sujeitos com padrão “ansioso/ambivalente” descrevem ciúme ou ressentimento, altos e baixos emocionais e desejo de retribuição.
Enquanto processo de desenvolvimento, o processo de construção da vinculação inclui as figuras parentais, no qual não deverão ser descuradas as relações estabelecidas na infância e a qualidade dessas mesmas relações, nomeadamente a presença de abuso físico, psicológico ou sexual. A investigação empírica conduzida no âmbito das relações interpessoais íntimas tem vindo a mostrar o impacto das experiências da infância, assim como o impacto da qualidade da vinculação, no estabelecimento do relacionamento interpessoal com o companheiro na idade adulta. Muitos autores consideram que as experiências precoces interferem na qualidade do relacionamento íntimo na idade na medida em que contribuem para o padrão de vinculação do indivíduo. Outros autores, salientam o papel do suporte social e das relações adequadas com outras pessoas que não os pais, como amortecedor do impacto adverso das experiências negativas ocorridas durante a infância sobre a qualidade do relacionamento com o companheiro na idade adulta.
Após descrever os fenómenos subjacentes à qualidade do relacionamento íntimo na idade adulta, focalizando especificamente a história do desenvolvimento individual no que respeita à construção dos “modelos internos dinâmicos”, interessa agora explicar os mecanismos psicofisiológicos que têm lugar aquando do estabelecimento de um relacionamento íntimo, assim como os efeitos deles decorrentes nomeadamente na presença de situações adversas.
Segundo Carla Paiva e Bárbara Figueiredo da Departamento de Psicologia da Universidade do Minho, a investigação sobre a psicofisiologia da vinculação em indivíduos adultos é escassa. No entanto, algumas investigações conduzidas com primatas não humanos sugerem que os cuidados precoces modulam a morfologia cerebral, nomeadamente em termos do desenvolvimento de algumas estruturas do hipocampo. Por sua vez, factores fisiológicos intrínsecos (por exemplo, o controlo autonómico da frequência cardíaca e do sistema de neurotransmissores do sistema nervoso central) parecem estar associados à variabilidade encontrada nas respostas à separação e nos comportamentos de vinculação.
Alterações significativas na experiência relacional precoce do indivíduo podem provocar alterações duradouras na bioquímica e morfologia cerebral, que posteriormente influenciam o seu comportamento e reposta ao stress. Isto acontece porque, na formação da vinculação em primatas (humanos e não humanos), estão envolvidas estruturas neuroanatómicas e neuroquímicas, que mais tarde potenciam e suportam o desenvolvimento de novos laços afectivos. Estas estruturas não estão ainda claramente conhecidas, mas pensa-se que incluem os núcleos pré-ópticos médios do hipocampo, o córtex temporal anterior e as áreas límbicas fronto-temporais.
A mutualidade e a componente sexual distinguem, em termos da sua função, as relações de vinculação na idade adulta das relações de vinculação da infância. A procura de conforto e contacto físico contribuiu para o fortalecimento dos laços afectivos na idade adulta, tornando-se cada vez mais notória à medida que a relação evolui para níveis cada vez maiores de intimidade, dado que é acompanhada por estados psicológicos e fisiológicos activados, compensados e/ou moderados pelos comportamentos de contacto físico.
Este processo de transformação que se observa no curso das relações românticas, dos estados de activação inicial, para os estados de conforto e bem-estar, parece reflectir um processo aditivo mediado pela actividade opiácea endógena no cérebro, cuja regulação homeostática acontece através do comportamento.
Leibowitz (1983) refere que o estado de activação, é mediado pela fenilatilamina, que tem um efeito semelhante ao das anfetaminas, cuja habituação estimula a produção de endorfinas, as quais induzem um efeito contrastante de calma e contentamento.
Em diferentes espécies, os opiáceos endógenos têm um papel importante na regulação das emoções e especialmente na inibição dos efeitos desorganizadores da separação, enquanto o seu bloqueio os exacerba. Por mecanismos de condicionamento, os opiáceos tendem a associar uma resposta inibidora (i.e., alívio da tensão, relaxamento) à resposta activadora (i.e., ansiedade). Este tipo de trocas é o que ocorre em termos biológicos nas relações próximas (i.e., na relação mãe-bebé e nas relações românticas). As relações que levam ao desenvolvimento de laços afectivos parecem ser aquelas que elevam a activação fisiológica, a qual é repetidamente atenuada pela mesma pessoa no contexto de um contacto corporal próximo. Assim, a vinculação poderá envolver o condicionamento de um sistema opiáceo ao estímulo de uma determinada ordem. A transição entre o estado inicial de activação e a moderação desta activação pelo contacto com o companheiro poderá ser um indicador que o comportamento de vinculação está estabelecido e gerar descompensação aquando da separação.
Hofer (1984) defende que deste sistema em interacção resulta uma interdependência fisiológica entre ambos os elementos de uma relação, cuja separação gera desorganização e consequente mal-estar emocional. Assim, a pessoa tende a sentir “segurança emocional” quando está próxima do companheiro (particularmente em alturas de stress) e “protesto” quando este ameaça tornar-se indisponível.
Compreendemos assim que as relações precoces modelam um conjunto de respostas neurofisiológicas, podendo consubstanciar-se diferentes respostas neurofisiológicas de acordo com o padrão de vinculação, dado que o mesmo resulta de diferentes experiências relacionais com os pais.
Tais respostas funcionam como um molde para situações futuras, sendo activadas aquando de diferentes tipos de acontecimentos de vida, especificamente perante situações “desorganizadoras” ou que causam stress, como por exemplo na ocorrência de abuso no quadro do relacionamento íntimo. Neste momento faz sentido compreender qual o impacto do abuso no contexto do relacionamento com o companheiro em termos da saúde dos indivíduos.
As experiências de abuso (físico, psicológico e sexual) no contexto do relacionamento íntimo com o companheiro, têm efeitos adversos significativos a curto e a longo prazo. Rush (2000), por exemplo, apresenta a questão da violência contra a mulher não apenas como um problema social, mas também como um problema de saúde pública. Com efeito, este autor verifica que as mulheres que foram vítimas de abuso do contexto da relação com o companheiro recorrem mais a serviços médicos, têm maior taxa de assiduidade, ficam mais
dias de cama e exibem mais sintomas de stress e depressão, assim como ideação e/ou tentativas de suicídio, stress pós-traumático, baixa auto-estima, abuso de álcool e de outras drogas.
Os efeitos a curto prazo das experiências de abuso, englobam um vasto leque de reacções emocionais que incluem medo, raiva, isolamento e mal-estar emocional. Englobam ainda queixas somáticas, tais como insónia, dores de cabeça, problemas gastrointestinais, e dor pélvica, e também sequelas físicas, como ossos partidos e concussões vaginais.
Os efeitos a longo prazo do abuso sexual incluem: depressão, disfunção sexual, abuso e dependência de drogas e álcool, sintomas de stress pós-traumático e sintomas dissociativos. Para o abuso físico e psicológico, estes efeitos incluem especificamente: depressão, elevada desconfiança em relação aos membros do sexo oposto, hipervigilância aos sinais de controlo e baixa auto-estima.
Para além do comprometimento negativo ao nível da qualidade do relacionamento interpessoal com o companheiro, é de salientar um outro efeito a longo prazo particularmente insidioso e importante, que se refere à vitimização subsequente, quer no que respeita ao abuso físico, quer no que respeita ao abuso sexual.
Em termos da saúde
Seguindo o estudo de Carla Paiva & Bárbara Figueiredo do Departamento de Psicologia da Universidade do Minho, os efeitos da qualidade dos relacionamentos íntimos no estado de saúde dos indivíduos têm sido cada vez mais estudados.
Já referimos anteriormente os estados psicofisiológicos associados ao relacionamento íntimo. Para que melhor possamos compreender o impacto do fenómeno do abuso no relacionamento íntimo com o companheiro no estado de saúde dos indivíduos faremos referência ao “modelo transaccional de stress”. Assim, cabe entender o abuso no relacionamento interpessoal íntimo, como um causadores de stress que suscita na vítima um processo de avaliação primária, o qual envolve o reconhecimento de algo como perigoso, e um processo de avaliação secundária, que envolve a revisão dos recursos do indivíduo para enfrentar esse acontecimento. Estabelecendo um paralelismo neurofisiológico com o “modelo transaccional de stress”, Damásio (1994) salienta a importância das estruturas límbicas (amígdala, hipocampo) e do córtex pré-frontal, na troca de informações entre os estímulos recebidos, as respostas a accionar e a carga emocional respectiva. No processo de resposta ao stress existe uma integração cortical e límbica que modula a resposta imunológica e o controlo das respostas autonómica e endócrina.
Experiências repetidas de stress psicológico suscitam emoções negativas como depressão, hostilidade, raiva, agressão, que estão relacionadas com o sistema imunitário e com a saúde. Podemos inferir que o tipo de coping com os causadores de stress terá qualquer coisa a ver com os “modelos internos dinâmicos” que foram construídos ao longo da história relacional do indivíduo, nomeadamente com as figuras significativas durante a infância, os quais para um mesmo causadores de stress poderão determinar diferentes avaliações e diferentes padrões de activação fisiológica. Só assim se pode compreender que tais modelos exerçam uma importante mediação ao nível das respostas do indivíduo, nomeadamente na avaliação que este faz das situações (e.g. ameaça versus desafio), bem como na sua consequente inter-relação com o sistema fisiológico (activação versus inibição simpática), sustentando a afirmação de Hazan e Zeifman (1999), a respeito do papel mediador do padrão de vinculação, nas consequências do abuso para a saúde física e mental dos indivíduos.
A respeito das consequências do abuso no relacionamento íntimo no estado de saúde dos indivíduos, Coffey, Leitenberg, Henning, Bennet e Jankowski (1996) avaliam a prevalência de abuso físico nas relações pré-maritais em 976 estudantes universitárias e verificam a existência de valores elevados de mal-estar psicológico resultante do abuso físico ocorrido na relação com o companheiro. Quando esses valores são comparados com os valores associados a outros causadores de stress de vida, verifica-se que são significativamente mais elevados. Os autores constatam ainda que os valores de mal-estar psicológico, associados ao abuso físico sofrido na relação com o companheiro, aumentam significativamente em função da história recente de abuso sexual, assim como da história de abuso físico ou sexual na infância e da observação de conflitos entre os pais.
Por sua vez, Cascardi, O’Leary, e Schlee (1999) denotam que em 92 mulheres vítimas de abuso físico pelo companheiro, 29,8% apresenta critérios para perturbação de stress pós-traumático e 32% critérios para perturbação depressiva maior.
Uchino, Ccioppo e Kiecolt-Glaser (1996) referem que após a disrupção de uma relação significativa existe uma maior vulnerabilidade para a ocorrência quer de um elevado número de doenças, associadas a um pior funcionamento do sistema imunológico, quer de abuso de substâncias e de outros quadros psicopatológicos.
Levenson e Gottman (1985, 1992), ao estudar a resposta psicofisiológica na interacção entre os membros do casal para a solução de um problema, encontram que a presença de níveis elevados de activação fisiológica é um forte prognosticador dos futuros declínios na satisfação e qualidade da sua relação, nomeadamente os elevados níveis de activação do sistema nervoso simpático, que também têm sido referidos como possíveis mediadores da relação stress-doença.
Jacobson, Gottman, Waltz, Rushe, e Babcock (1993) avaliam em casais violentos e não violentos os indicadores psicofisiológicos associados à experiência de raiva e medo. Verificam que, comparados com os casais não violentos, nos casais violentos, quer a vítima quer o perpetrador do abuso manifesta valores mais elevados de raiva e maior activação do sistema nervoso autónomo, avaliada através da variabilidade da frequência cardíaca.
Coker, Sanderson, Fadden, e Pirisi (2000), num estudo sobre 1152 mulheres entre os 18 e os 65 anos de idade, seleccionadas com base na experiência prévia de violência nas relações íntimas, encontram 14 mulheres com cancro cervical e 234 em tratamento para neoplasia cervical, salientando uma associação aumentada para as mulheres que sofreram abuso físico ou sexual, relativamente àquelas que sofreram abuso psicológico, assim como relacionamentos de longa duração e elevada frequência das agressões como factor de risco para a ocorrência de neoplasia cervical.
Lown e Veja (2001), sublinham que em 1155 mulheres entre os 18 e os 59 anos de idade, as que reportam abuso físico ou sexual no relacionamento íntimo durante o ano anterior ao estudo, apresentam valores inferiores quanto à saúde física e mental, assim como história de problemas cardíacos, e numerosos sintomas somáticos.
Muitos autores comparam mulheres com e sem experiência de abuso pelo companheiro e observam que as mulheres abusadas reportam maior número de sintomas físicos tais como: dores de cabeça, dores de costas, doenças sexualmente transmissíveis, dor pélvica, corrimentos vaginais, dor no acto sexual, infecções do tracto urinário, perda de apetite, dor abdominal, problemas digestivos, e outros problemas relacionados com o stress crónico e com o sistema nervoso central, como por exemplo, dor crónica, problemas ginecológicos, sintomas neurológicos e surdez. Coker et al. (2000a) salientam ainda que o abuso psicológico pelo companheiro tem consequências adversas na saúde da mulher nomeadamente por se associar à presença de artrite, dor crónica, enxaqueca e sintomas gastrointestinais.
É muito frequente encontrar patologias relacionadas com o stress, nomeadamente doença do cólon irritável.
À experiência de abuso no relacionamento íntimo com o companheiro associa-se um pior funcionamento físico e mental do indivíduo. Como vimos nos estudos empíricos que apresentamos, quer o abuso físico, quer o abuso psicológico, quer o abuso sexual determinam uma maior vulnerabilidade para a presença de perturbação psicológica e/ou de perturbação física. No entanto, nas mulheres, o abuso psicológico e sexual está menos relacionado com a pior saúde física e a doença crónica, enquanto nos homens, apenas o abuso psicológico prediz a morbilidade física.
A experiência de abuso no relacionamento íntimo com o companheiro pode pois ser considerada como um factor de risco para a ocorrência de um considerável número de perturbações do foro psicológico ou físico, que originam um considerável agravamento na qualidade de vida das vítimas.
Carolina Teixeira Silva
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